De minha janela, sentada à mesa, vejo o terraço do prédio vizinho. Foi meu amor quem me fez olhá-lo com curiosidade. Afinal, para um diretor de cinema criar roteiros com situações do dia-a-dia é o pleno exercício da criatividade. Sua moradora senta ao sol para fumar ou tomar café, enquanto o gato preto desfila em volta, garboso, com o rabo eriçado.
O terraço, ensolarado, também serve para abrigar o varal onde se vê roupas dançando ao vento, as quais se misturam com a fumaça do cigarro que vagueia sem pressa, antes de se dissipar.
A moradora e seu gato vivem sozinhos, com certeza. Pouco movimento, poucas luzes, poucas roupas.
Numa dessas manhãs, enquanto tomava café, observei a vizinha, mais uma vez, sentada ao sol. Sem pressa, pelo domingo preguiçoso, minha vista comprida no horizonte, ao voltar, encontrou o varal, onde, vejam só, uma cueca se refestelava ao sol.
Quando mencionei a descoberta, ouvi de meu amor que cueca no varal rende um tratado sobre o amor.
E daí foi minha imaginação que se eriçou. O primeiro pensamento foi sobre o significado da cueca ao sol. Não parecia ter a casa recebido um companheiro porque, afinal, a dona do terraço, costumeiramente, estava sozinha. E, fosse a cueca mera testemunha de momentos de prazer, seria o dono brindado com tamanho cuidado?
Pensando melhor, não importa o que o dono da peça signifique, importa que a cueca seja importante, o suficiente, para ser lavada, estendida e guardada até a próxima visita.
A cor também importa. Preta? Paixão. Branca ? Nuances amorosas. Vermelha? Ui, melhor trocar por verde, símbolo da esperança.
Cueca novinha em folha? Sem dúvida, grande interesse em conquistar. Gasta pelo tempo? Hum, pouco se me dá.
Penso que não seria um simples esquecimento, afinal, não é comum homens andarem sem cuecas por aí. E o amante, definitivamente, não teve que sair às pressas. Ou poderia se tratar de uma manobra, bem ao estilo feminino, com o significado “não esqueça de mim”.
Cueca no varal alardeia certo direito, insinua ideia de propriedade: o direito de ser pendurada e vista pelo vizinho curioso. A prerrogativa de volta do dono, por razões libidinosas ou amorosas, ou ambas, triunfa sobre o significado do relacionamento.
E se o dono não tiver nenhum apreço pela cueca; e se não existir intenção de resgate?
Bom, vamos esperar não se tratar de uma grande paixão da vizinha, mas como essa crônica deveria ser um tratado sobre o amor, prefiro pensar que a dona do terraço viveu uma noite de pura paixão e encantamento, que durou até o amanhecer, testemunhada pelo gato preto, e brindada com bom café e baforadas de cigarro.
A cueca ? Ficou esquecida no canto do quarto, meio ruborizada, e sequer se atreveu a mostrar-se ao dono naquela hora esquecida da manhã, em que o sono e prazer lhe fizeram sair apressado.