Pai, espero que onde estejas o tempo seja ameno, para que não te preocupes com os “agostos” frios e úmidos, que não combinavam com o teu enfisema crônico. Espero que haja um lugar onde possas te sentar ao sol e apreciar o movimento da rua, vendo os vizinhos passarem, fazendo com eles tuas conhecidas brincadeiras.
E que haja muitos beija-flores bicando a água adocicada que tu, certamente, serve a eles.
E se tua carteira de habilitação tiver validade (se eles forem condescendentes com tuas qualidades de motorista), desejo que possas pegar o velho fusca bege da garagem e dar uma volta pela Avenida Brasil, a 30 km por ora, buzinando para todos os conhecidos que encontrar.
Imagino que esse dia tão especial deva ser comemorado aí e, portanto, tomara que te permitam os dois dedos de pinga que gostava de tomar antes dos almoços; e que teu manjar seja de polenta mole com carne de porco bem fritinha, repolho refogado e uma fritada de ovo com queijo. E que Deus proteja teu estômago de tanta gordura. E de sobremesa, ah… de sobremesa que não falte o papo de anjo, mas aquele que só a mãe sabe fazer.
Há de ter na tua eternidade um grande pátio com jabuticabeira, laranjeira e aquele romã gigante, cujos frutos te deixavam tão orgulhoso; tudo gramado e com muito sombra onde possas sentar nos dias quentes de verão.
Desejo que tua pele tenha sarado, que o pulmão te permita voltar a cantar no coral da igreja que certamente já organizastes por aí, para cantarem tuas músicas favoritas, aquelas que cantaram no dia da tua despedida.
Aqui, sentimos falta da tua irreverência, da tua consciência política, do teu jeito peculiar de ajudar os necessitados. Teus netos não esquecem tua disponibilidade para fazer tudo quanto era proibido e, por isso, seguem com tua fotografia nas paredes.
Eu continuo querendo chegar a teu momento de contemplação do mundo com benevolência e tranquilidade, embora ainda continue te ouvindo me dizer:
– “caaaalllmaaaa Gladis”
Sinto saudade de tudo isso.