No momento você está vendo Nossas dores

Estava atravessando a rua em direção à igreja de Canela e quase fui atropelada por um carro que dobrou a rua na contra-mão, e estacionou, na vertical, completamente atravessado. Depois do susto, pensei em avisar a pessoa, afinal, numa cidade turística, sendo de fora, ela poderia ter, simplesmente, se enganado. 

Era uma mulher. Descia do carro. Encontrei seus olhos desesperados, com lágrimas escorrendo. Me aproximei e perguntei se ela precisava de algo, o que tinha acontecido. 

A mulher me olhava e não me via. Disse que estava bem. Insisti, perguntando o que ela tinha, e a resposta, única resposta que me deu, foi :

– A vida. É a vida…

Entendi, ou melhor, aceitei. 

Ela desceu do carro e viu que precisava estacionar melhor. Tentou, com minha ajuda, mas continuou tudo torto.  Voltou a descer e  saía em direção à igreja, sem máscara, deixando a bolsa aberta sobre o banco do motorista.

Perguntei se tinha máscara, que deveria colocar para entrar na igreja. Ela assentiu. Pôs a máscara e saiu novamente em direção à igreja. 

Ela precisava da igreja.  Ela só queria aquele lugar. Um lugar.  Me ofereci para ir junto. Ela recusou. Continuava chorando, continuava desesperada.

No meio do caminho foi (quase) parada pelo fiscal de trânsito que vinha conferir o pagamento do estacionamento. 

Me apiedei mais um pouco. Quem lá pensa em pagar estacionamento no meio do desespero?   

Disse ao fiscal para deixá-la ir. Eu pago o estacionamento, não se preocupe.  Pedi a ele que deixasse o ticket no pará-brisa. 

A mulher desapareceu pela grande porta da  igreja. 

Titubiei, um instante,  pensando se iria embora ou aguardaria sua saída.  

Segui meu caminho. Ela não queria pessoas, piedade, ajuda. O desespero era tão grande, tão grande, que a consumia.  Ela buscava o caminho de volta. De volta à sanidade, ao mundo dos homens, ao perdão, à redenção, à aceitação, sei lá….

Cada um de nós escolhe onde ir, nessas horas tenebrosas. 

Pensei em alguns momentos desses, na minha vida.  Foram alguns poucos.  E desejei que ela encontrasse nas suas entranhas algo para retornar ao umbral da grande porta e enfrentar o que quer que a tivesse levado até ali. 

Afinal, como ela mesmo disse, no momento da dor: 

– É a vida….